sábado, 30 de outubro de 2010

Cats.

Eram nada mais que dois gatos sorrateiros que apareceram justo na noite em que eu os esperava. Antes disso não sabia que eu estava chamando por eles, mas agora isso faz sentido. Vieram se equilibrando por um muro que contém inúmeras histórias, que já foi ao chão e se ergueu novamente, e sustentava aqueles dois gatos, tão frágeis e tão duros ao mesmo tempo. Pouco a pouco vieram chegando mais perto, um de cada vez, o maior na frente, reconhecendo onde estava pisando, onde podia pisar. Eu via tudo por detrás da janela, mal conseguia respirar, tinha medo de ser percebido e os afugentar. O pequeno veio chegando mais perto, de um branco no tom da neve mais pura, chegou a poucos centímetros do gato maior, uma mescla de branco com manchas negras. Talvez ele estivesse limpando o caminho para seu companheiro. Seu corpo não nega que existe uma parte sombria nele, uma parte em que o negro, em meio ao branco, se mostra ao mundo, sem medo. Sempre na frente, farejando, alerta com as orelhas em pé e fazendo movimentos precisos tanto com sua cabeça como com seu corpo. Ele se prepara e pula! Sente o leve toque da grama húmida pelo orvalho em suas pequenas patas. Ele se entrega para absorver o impacto da fria noite. Examina todo o território, sem fazer um ruído sequer, era como se o mundo perdesse seu volume, um vácuo impenetrável onde só se ouviam imagens. Em cima do muro, o gato branco observa tudo, olha ao redor, vê o mundo de outro ângulo, e após um tempo mergulha também na grama que nem ao menos se percebe verde. Ele sente o cheiro de vida ao redor. Não sei se vida seria a palavra certa. O que pode indicar vida pra uns, pode significar o oposto a outros. Independente de como isso se mostra para o gato branco, ele é atraído por aquilo, chega mais perto e toca suavemente a língua na superfície daquela vida morta. Tudo o que ele quer é o gosto. Se aproveitar levemente do tempo, tirar vantagem para a sua satisfação mais urgente. O gato mesclado anda ao redor, de um lado a outro, e senta-se mais adiante, sem pressa, sem calma. Mesmo parado ele está inquieto. Olha em todas as direções como se estivesse esperando algo acontecer a ele, ou ao gato pequeno. Esse, termina o banquete e começa a desfrutar do terreno. Provavelmente sente-se vivo, sente-se protegido. Como se todo o mal que o pudesse atingir estivesse automaticamente absorvido por seu companheiro. O qual permanece rígido em sua posição, esperando para fazer um próximo movimento. Infelizmente o escolhido é algo fora do meu campo de visão. Não posso fazer mais nada, fecho a cortina e volto a respirar lentamente. Percebo cada passo que eu penso em dar. E aqueles que foram dados por mim, para mim. No momento apenas torço para que os gatos continuem sempre nessa entrega mútua, de companhia e solidão, de proteção e vulnerabilidade, de vida e morte. Torço para que nunca sejam pegos, o trabalho deles é perfeito, suas patas mal tocam o chão, o som não existe, são apenas vultos que eu tive sorte de encontrar, são apenas vultos que eu sabia que iria encontrar.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Empty.

Um rosa purpuro que me esquenta apesar do frio que sinto em minha pele. Aos poucos ele também vai sumindo, como eu também vou. Aos poucos vou perdendo as sensações, de leve não sinto mais o calor a que estava acostumando. Não suporto a ideia de que ele ainda vai demorar a voltar, e enquanto isso, eu vou ficar ali desaparecendo aos poucos. Até quando não posso saber, meu processo de desmaterialização é lento e muitas vezes doloroso. Não suporto a ideia de estar ali parado, porém longe. Tudo acontece naquela janela. Aos poucos vou aparecendo novamente, mas em cima de onde costumo estar. Simples transferência onde eu poderia olhar o mundo inteiro. De longe talvez, não costumo olhar. Apenas olho para cima, sem focar em nada. O vazio me chama e me agrada. Eu poderia estar lá, o problema é que não sei trabalhar com a ideia de vazio. Muitas vezes sinto, mas é só. Ainda não sei como encarar o vazio. Não sei se ele deve ou se pode ser encarado. O vazio não tem limites e por isso penso que nunca poderei achar seu final para finalmente olhá-lo, mas e se achasse? O vazio provavelmente não satisfaria minhas perguntas apenas por uma simples lei física. Não consigo olhar pra baixo e nem pra cima, fecho os olhos. Eu sou o céu.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Whispers.

Em um tempo onde gradualmente os volumes foram alterados. Pouco se ouvia do seu próprio interior, sempre com palavras amarradas umas as outras que chegavam, sem anunciarem que estavam vindo. Em todos os lugares eram apenas palavras que lhe causavam um efeito irremediável, efeito que não mais era ouvido só por ele, mas por todos ao redor, e muitas vezes repetidos por eles. O tempo entrava em cena, levando anos e vozes cada vez mais juntos, ligados. Chegou ao ponto em que não mais foram necessárias as palavras, seu próprio interior falava cada vez menos, com uma voz cada vez mais baixa, logo após, tudo o que restava eram as palavras, que permaneceram juntas em sussurros. Sussurros que nunca se calavam, nunca iam embora, nunca deixavam um completo vácuo onde nada era ouvido. Os sussurros viraram parte de quem ele era, deixando a dúvida de como ele era antes deles existirem, como era quando o silêncio era alcançado a qualquer hora, quando sussurros não habitavam seus sonhos, quando ele se olhava no espelho e via nada além de si próprio, nada dito por vozes que ele nem ao menos conseguia localizar.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

About gold and past.

E enfim apenas um será o primeiro. Enquanto o segundo deve apenas se contentar com o pouco de esforço e sorte que lhe faltou para subir uma posição. E assim os dias caminham, cheios de primeiras e segundas posições. Fazemos-nos de primeiro sempre, é o que precisamos para dar escape ao sentimento de que devemos ser os melhores sempre. Hoje já percebo o quanto esperamos pelo primeiro lugar, e quando nos damos conta, ele já virou uma lembrança. Uma macia e dolorosa lembrança que nos pegamos pensando repetidas vezes. Lembranças não voltam, e me pergunto se o primeiro lugar vai se mostrar presente mais algumas vezes. Talvez sim. É a ideia de movimento que existe dentro de nós, sempre estamos buscando uma renovação, uma redenção, um estado que nos proporcione um sentimento melhor que o anterior, e talvez isso seja sim a renovação do primeiro lugar, a renovação do primeiro lugar em nós mesmos e em inúmeros outros que ainda não entraram na corrida. Por outro lado, encaramos a medalha que vem com a primeira posição. É o que mais queremos e nós sabemos disso. Por mais perto que ela esteja não nos permitimos alcançar. Temos medo do contato gelado com o ouro que apenas o primeiro lugar nos proporciona. O mesmo contato gelado que sentimos ao encontro da lembrança, uma memória fria que tentamos reanimar, trazer de volta a pulsão que a mantinha aquecida. Não nos damos conta que ela é quente apenas no momento em que está viva, no momento em que não precisamos fechar os olhos para que ela aconteça novamente, no momento em que a sentimos em nós, somos ela. Após isso é como se existisse uma morte fria, assustadoramente fria, fria o suficiente para nos avisar que ainda existe, nos dias mais quentes, nos momentos mais vivos, sem nos darmos conta de que o momento presente em segundos deixará apenas o frio em que ele se transformou, e nós tentamos mais uma vez doar um pouco do nosso próprio calor para reanimá-lo. E assim acontece, em uma cadeia fria de memórias.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A leveza e o peso.

Não passava de uma pena presa em um carro. O fim da tarde estava próximo, logo a noite se mostraria presente e a pena continuaria em sua prisão a céu aberto. Isso implica não só o calor da tarde, mas como o frio da madrugada. Desse ângulo eu posso ver o quanto ela queria estar livre, ir embora com a primeira brisa que se mostrasse forte o bastante para levar o peso de uma pena nas costas. O ar está parado, as árvores não se mexem, a pena por sua vez, resiste em um vento fantasma com a esperança de ser libertada. Pode-se dizer que está acontecendo uma contagem regressiva, o sol vai roubando aos poucos o tempo que ainda resta para a luz estar presente, é a única chance que a pena acredita. Quando a noite chegar, ela vai ficar invisível a inúmeros olhos, e não se sabe em baixo do que ela estará amanhã. Essa pena quer ser carregada pela vida, e esse é o seu único medo no momento.