Eram três malas, com alguns furos para a entrada, e consequentemente, saída de ar. Todas as três possuíam rodas e eram facilmente encaixadas em trilhos, e a partir disso, apenas aguardavam o impulso inicial onde não mais seria possível parar. Além disso, as malas possuíam uma ordem temporal dissonante à realidade. Elas existiam no tempo delas, e não se preocupavam com os ponteiros que nos lembram quanto tempo ainda falta para que algo aconteça. É possível, que se essas malas fossem abertas, o seu conteúdo ficasse tão disperso que fosse impossível separá-los novamente e devolver à ordem inicial. Mas é justamente nessa parte que os furos na couraça das malas são prejudiciais. O seu conteúdo, que não é algo físico e palpável, vai escapando aos poucos, se dissipando no ar, se escondendo, pedindo liberdade. Ao mesmo tempo que esse processo é ruim, ele não o é, já que muitas vezes houve a pressão do lado de dentro das malas, e a única condição para que parassem com aquela dor incômoda, mas suportável, foi que pequenos furos fossem abertos. É assim que entrou a ambivalência entre o bom e o ruim, demonstrando um sacrifício necessário, onde é preciso abrir mão de algo para ter outro algo. Não questiono se isso é justo, até agora tem se mostrado o suficiente. O medo é quando isso deixar de o ser. Por mais que todas as malas estejam sempre juntas, lado a lado, elas também estão separadas, e apenas uma percorre o trilho. É possível sentir a presença das outras duas, mas sempre uma presença fina, presença que se mostra na forma da falta, e quando essa falta se tornar grande demais para ser controlada, os furos começarão, automaticamente, a ficar cada vez maiores, e consequentemente, cada vez mais o seu conteúdo irá se misturar. No fundo, eu sempre quis abrir as malas, e nunca tive a coragem necessária para lembrar onde estavam as chaves. Isso pouparia o esforço de fazer com que tudo permaneça no seu devido lugar, onde sempre existiu um desejo para que o caos fosse feito, e com ele a necessidade de encontrar um conteúdo em específico em meio à um conteúdo maior. Agora percebo que por mais que o conteúdo interior seja o seu próprio criador, os furos serão a sua fuga, a sua fuga necessária.
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